domingo, 29 de agosto de 2010

01. Medo

Oito horas da manhã de uma segunda-feira comum igual a todas as outras. Ela se arruma, pega a chave do carro em cima do criado mudo, tranca tudo e vai trabalhar. Logo cedo o tempo já é escasso e a maquiagem é feita pelo caminho. É só o sinal ficar vermelho que começa a surgir em seu rosto de sono cor e vida.
E a rotina continua. Passa pela padaria e pega seu café da manhã, estaciona o carro, dá ‘bom dia’ pro porteiro e sobe. Trabalha num arranha céu da grande e frenética terra da garoa. Tudo tem tempo, tudo tem muito pouco tempo. Em sua mesa, o jornal do dia e um recado da secretária: “reunião de presidentes às 10h.”.
Ela sempre se perguntou o porquê do jornal em cima da mesa todos os dias, se nem ler as notícias ela lia, mas, agradecia e aproveitava pra ler o horóscopo.
Enquanto preparava o material pra levar pra reunião, batem na porta. Ela concentrada, e de cabeça baixa apenas diz:

- Pode entrar.
- Dona Fernanda, precisa de mais alguma coisa pra reunião? Ah!..


Com o sorriso no rosto por saber que era Luciana entrando em sua sala, fala:

- Dona Fernanda? Quantas vezes eu já te disse que aqui dentro você não precisa me chamar assim, Lu?
- Ah, Fernanda... só tenho cautela. Vai saber o que podem falar por aí, tudo é motivo. Você viu o que aconteceu com aqueles dois caras do almoxarifado, né? Só porque eles iam embora juntos todos os dias eram motivo de chacota a cada pausa pro cafezinho.
- E você acha que eu ligo? Eu tenho mais o que fazer do que ficar dando trela pra fofoquinha de café. Mas fala, o que você ia dizer?
- Ah.. sua... a Isabella ligou.
- De novo?
- Sim, e parecia bem nervosa.
- Eu não sei o que eu faço com essa mulher, já faz tempo que eu não tenho mais nada. Bom, deixa ela pra lá, e você não vai me dar um bom dia direito não?
- Já te dei Fê, não começa, vai.
- Ah, você já deu? Você acha que aquele 'bom dia' clichê e sem graça lá na portaria valeu? E cadê que eu não ganhei meu abraço matinal, hein mocinha?


Sem muito esforço, Fernanda recebia com todo carinho, o abraço que pediu.
O mundo parava ali todas as vezes em que elas se abraçavam. O coração batia acelerado, e em poucos segundos as mãos de Fernanda passeavam pelo corpo de Luciana e um arrepio gostoso tomava conta de seu corpo. As duas permaneciam perdidas, amantes e entregues.
Após se dar conta que estava em um universo paralelo por dez segundos, Luciana solta Fernanda e diz:

- Eu não posso, eu não consigo mais suportar isso.

Fernanda a pega pelos braços, e pergunta:

- Por que você tem medo de mim?

- Eu não tenho medo de você. Eu tenho medo de mim, quando estou assim... tão perto de você.

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